60 anos do golpe militar
60 anos do golpe: como Estados Unidos apoiaram os militares
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8 meses agoon
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Redação“Espero que você esteja tão feliz em relação ao Brasil quanto eu estou”, sugeriu Thomas Mann, ao telefone.
“Eu estou”, respondeu Lyndon Johnson, do outro lado da linha.
“Creio que essa seja a coisa mais importante que aconteceu no hemisfério em três anos”, destacou Mann.
“Espero que eles nos deem algum crédito em vez de inferno”, devolveu Johnson.
A conversa telefônica aconteceu no dia 3 de abril de 1964. De um lado da linha estava o subsecretário de Estado para Assuntos Interamericanos dos Estados Unidos, Thomas Mann. Do outro, ninguém menos que o presidente norte-americano, Lyndon Johnson.
O assunto, como dá para inferir pela data em que ocorreu a ligação, era o golpe civil-militar que havia ocorrido poucos dias antes, no Brasil. O diálogo demonstra, ao mesmo tempo, a satisfação da administração norte-americana com a derrubada do governo de João Goulart e a implícita ideia de que os EUA participaram do golpe.
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Autor de um livro sobre o papel dos EUA na desestabilização do governo Jango, o professor da Universidade de São Paulo (USP) Felipe Pereira Loureiro lembra que, na época, o mundo vivia a Guerra Fria, um embate ideológico entre o bloco capitalista, liderado pelos norte-americanos, e o bloco comunista, capitaneado pela União Soviética, hoje extinta.
O modelo soviético tinha recentemente fincado pé na América Latina, região historicamente influenciada pelos Estados Unidos, através da revolução cubana, em 1959. E os norte-americanos temiam a expansão dos ideais comunistas para o resto do continente.
O destino do Brasil, maior país da América Latina, era, portanto, uma preocupação da administração norte-americana.
“O governo João Goulart era um governo que se colocava como reformista. Mas havia uma dúvida dentro do governo Kennedy, e isso vai se manter no governo Johnson, sobre até que ponto esse reformismo do governo Goulart poderia se transformar, com o tempo, em algo mais radical, que saísse do controle”, explica Loureiro.
João Goulart havia sido vice-presidente nos governos Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros e assumiu a presidência em 1961, depois da renúncia de Quadros. Apesar de ser um empresário do ramo agropecuário, Jango não era bem visto pela cúpula militar, devido a suas ligações passadas com Getúlio Vargas e a suas propostas de reformas sociais.
Goulart propunha, entre outras medidas, a reforma agrária, a subordinação de instituições financeiras a um Banco Central, a reforma tributária e a permissão do voto aos analfabetos e militares de baixa patente.
Quadros renunciou em 1961, enquanto Goulart estava em viagem oficial ao exterior. Os ministros militares não queriam que Jango assumisse a presidência, o que gerou um impasse e um racha nas Forças Armadas. A solução foi a implantação de um regime parlamentarista no Brasil, para que o novo presidente fosse aceito.
O historiador norte-americano James Green, da Universidade Brown, coordena o projeto Opening the Archives, que busca documentar as relações entre Brasil e EUA entre as décadas de 60 e 80. Segundo ele, houve um erro de leitura do Departamento de Estado americano em relação às intenções de Goulart.
“O embaixador [dos EUA no Brasil na época] Lincoln Gordon chegou em 61, justamente na transição de governo entre Jânio Quadros e João Goulart, com a missão de acompanhar, no Brasil, entre o Departamento de Estado e as pessoas que acompanham a América Latina, de que o Brasil poderia ser a próxima Cuba, de que poderia haver uma revolução socialista que levasse ao comunismo e um governo contra os Estados Unidos”, afirma Green.
Havia, dentro do Departamento de Estado norte-americano, uma preocupação que João Goulart se aproximasse dos comunistas e desse um golpe de Estado. “Então Lincoln Gordon tinha a clara indicação de evitar uma possível revolução socialista, uma mudança radical no governo”.
Goulart mantinha boas relações com Cuba e havia se posicionado de forma contrária ao embargo econômico ao regime de Fidel Castro. Além disso, algumas expropriações de empresas americanas no Brasil desagradaram a Washington.
A transcrição de um encontro de Gordon com Kennedy, em julho de 1962, mostra que os EUA já temiam os rumos que seriam tomados pelo governo Jango e cogitavam reduzir os poderes do presidente brasileiro ou até mesmo retirá-lo da presidência. Também já havia planos de fortalecer o poder dos militares. Havia conversas para investir US$ 1 milhão nas eleições parlamentares brasileiras daquele ano para apoiar candidatos opositores de Goulart.
Nessa mesma reunião, definiu-se que Gordon contaria com a ajuda de Vernon Walters para estabelecer uma boa relação com os militares brasileiros. Walters havia servido como homem de ligação entre as Forças Expedicionárias Brasileiras (FEB) e o Comando do Exército americano na campanha da Itália, durante a Segunda Guerra Mundial, e seria apontado como adido militar na embaixada dos EUA no Brasil.
“Walters foi chamado por Gordon para assessorá-lo nas relações com as Forças Armadas brasileiras. A missão de Walters era juntar as várias conspirações que já estavam fervendo dentro das Forças Armadas [brasileiras] e uni-las em uma conspiração única. Ele foi muito importante em dar unidade nas Forças Armadas brasileiras e de mostrar que os americanos iam apoiar o golpe”, afirma Green.
Pelo menos desde 1974, quando os primeiros documentos secretos foram tornados públicos, já se sabia do papel dos Estados Unidos no golpe.
“Os EUA ajudaram a orquestrar toda uma operação não declarada de desestabilização do governo João Goulart, sob a forma de financiamento da oposição nas eleições de 1962, no suporte a governadores críticos ao governo e fomentando a propaganda política oposicionista. Houve contribuição efetiva, portanto, na conspiração para derrubar o governo. Além disso, já ocorriam, há anos, programas de treinamento de forças policiais e militares nos EUA, ou no Brasil, por oficiais estadunidenses”, explica a pesquisadora da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) Mariana Joffily.
Além de estimular manifestações contrárias a Jango, havia um plano pronto para ser executado, caso os militares brasileiros não conseguissem derrubar o presidente. Chamado de operação Brother Sam, o plano previa o uso de apoio militar norte-americano aos golpistas para garantir que um novo regime fosse implantado.
Em 27 de março de 1964, o embaixador Lincoln Gordon enviou um telegrama a diversas autoridades americanas solicitando o envio imediato de embarcações, para garantir, aos oposicionistas de Jango, combustível e suprimentos. No mesmo documento, Gordon sugere a entrega clandestina de armas aos golpistas.
Segundo o embaixador, o golpe estava próximo de ocorrer. Documentos da Agência Central de Inteligência (CIA) americana também informam a iminência da movimentação dos militares.
“Havia um temor muito grande de que comunistas pudessem ter se infiltrado em postos estratégicos na Petrobras e que, sem combustível, tanques, caminhões, veículos militares não teriam como circular pelo país. Então, havia uma preocupação muito grande com o petróleo. Portanto, há uma promessa efetiva da embaixada norte-americana às principais lideranças golpistas, de apoio logístico, sobretudo petróleo”, explica Felipe Loureiro.
O pesquisador ressalta que a chegada de uma força naval também teria um efeito psicológico, ainda que ela não atacasse necessariamente as facções resistentes ao golpe. Os americanos, àquela altura, esperavam uma dissidência nas Forças Armadas e, portanto, uma guerra civil.
No dia 31 de março, um telegrama enviado pelo secretário de Estado norte-americano Dean Rusk a Gordon informava sobre a mobilização de um navio-tanque, de um porta-aviões, quatro destroieres, além de 110 toneladas de armas, dez aviões de carga e seis caças.
As forças golpistas brasileiras, chamadas de “forças amigas” por Gordon, acabaram colocando seu plano em movimento naquele mesmo dia, com a mobilização de tropas em um quartel de Juiz de Fora (MG) pelo general Olímpio Mourão Filho.
Na tarde de 31 de março, o subsecretário de Estado dos EUA, George Ball, e Thomas Mann ligaram para o presidente Lyndon Johnson, e falaram sobre o golpe em andamento em Minas Gerais. Eles reforçaram a necessidade de garantir apoio logístico aos golpistas, mas ainda se mostravam indecisos, sob que rumo a revolta contra Goulart tomaria.
“Penso que devemos dar todos os passos que pudermos, estar preparados para fazer tudo o que for necessário, tal como fizemos no Panamá, se isso for viável”, Lyndon Johnson orientou.
Novo Governo
No dia 1º, parte da ajuda americana já estava a caminho do Brasil. Naquele dia, o golpe ganharia força com o passar das horas e, à noite, Jango deixaria Brasília rumo a Porto Alegre. Os EUA ainda se mantinham cautelosos, evitando se expor para não dar, a Jango, um pretexto “anti-yankee” para angariar apoio.
No dia 2 de abril, a força naval continuava a caminho do Brasil, devido ao receio de que o deputado federal Leonel Brizola, cunhado de Jango, liderasse uma resistência no Rio Grande do Sul e que as refinarias como a Reduc (Duque de Caxias) permanecessem controladas pelos “commies” (gíria americana para “comunistas”).
O presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, havia assumido a presidência da República temporariamente, depois de o Senado ter declarado a vacância do cargo, mesmo com Jango ainda em território nacional. Os EUA esperavam que o Congresso ou a Suprema Corte brasileiros legitimassem a autoridade de Mazzilli, por isso ainda se mantinham cautelosos em reconhecer o novo governo.
A transcrição de um encontro do Conselho de Segurança Nacional norte-americano, ao meio-dia de 2 de abril, mostra um Lyndon Johnson preocupado com a situação de Mazzilli, já que ele ainda possuía minoria no Congresso para reconhecê-lo como presidente.
O secretário de Estado Dean Rusk responde, então, que o embaixador Gordon estava usando os recursos à sua disposição para encorajar os deputados brasileiros a reconhecer Mazzilli como presidente da República.
Mais tarde, chegam informações, incorretas, de que Jango havia deixado o Brasil rumo ao Uruguai. Naquele mesmo dia, mesmo sem ter a certeza de que Goulart havia saído do Brasil ou os deputados votarem a favor de Mazzilli, os norte-americanos decidiram reconhecer o governo dos golpistas, sob orientação do embaixador Gordon.
Lyndon Johnson então autoriza o envio de um telegrama em que ele deseja sucesso a Mazzilli e parabeniza a “comunidade brasileira” por resolver as dificuldades políticas e econômicas que o Brasil “vinha enfrentando” de acordo com “a democracia constitucional e sem conflitos civis”. A operação Brother Sam, portanto, não chega a ser colocada em prática e os navios retornam ao porto, no Caribe.
Golpe sem EUA
A historiadora Mariana Jofilly diz que é difícil afirmar se o golpe ocorreria mesmo sem o apoio dos EUA, mas afirma que receber o aval de uma grande potência foi importante para que os golpistas levassem, à frente, seu plano de derrubar Jango.
“Não foi apenas o Brasil que se certificou do apoio dos EUA antes de partir para a derrubada de um presidente democraticamente eleito. Isso aconteceu também no Chile e na Argentina. Na época, fazia parte da agenda golpista a obtenção do apoio dos EUA. A garantia de que o novo governo seria reconhecido e legitimado pela grande potência e que o novo poder instituído seguiria recebendo financiamento estadunidense não era um item do qual se pudesse abrir mão”, pondera Mariana Joffily.
James Green diz que os brasileiros seriam capazes de derrubar Jango mesmo sem o apoio dos EUA e que outros golpes de Estado já haviam ocorrido no Brasil antes de 1964, mesmo sem a ajuda norte-americana.
“Os brasileiros são muito capazes de dar golpes de Estado. Pode-se dizer que haviam americanos envolvidos [no golpe de 64], mas a questão principal foram as Forças Armadas brasileiras e a elite brasileira, que queriam manter controle sobre a situação político-social que estava fugindo de seu controle. O apoio americano deu mais determinação, foi fundamental para a luz verde”, afirma o brasilianista.
Procurada pela Agência Brasil, a Embaixada dos Estados Unidos, por meio da assessoria de imprensa, afirmou que o presidente norte-americano Joe Biden tem expressado, publicamente e em conversas privadas, o apoio do país às instituições democráticas brasileiras, incluindo “o sistema eleitoral, a transferência pacífica de poder e a autoridade civil sobre as Forças Armadas”.
“Ambas as nações reconhecem a importância de se posicionar contra o extremismo político, a violência, o discurso de ódio e a desinformação que possam prosperar em sociedades democráticas”, destacou a representação diplomática norte-americana.
Em junho de 2014, Joe Biden, então vice-presidente na gestão Barack Obama, entregou ao governo brasileiro 43 documentos produzidos por autoridades norte-americanas entre os anos de 1967 e 1977. Os relatórios detalham informações sobre censura, tortura e assassinatos cometidos pelo regime militar no Brasil.
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60 anos do golpe militar
Dia da Democracia: reparação às vítimas da ditadura segue como desafio
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2 meses agoon
setembro 15, 2024By
RedaçãoA participação popular nas decisões e regras coletivas é defendida pela Organização das Nações Unidas (ONU) desde sua criação, em outubro de 1945, após a vitória do bloco aliado na Segunda Guerra Mundial. Foram necessários 62 anos para a ONU reconhecer o dia 15 de setembro como Dia Internacional da Democracia, em 2007, em alusão à Declaração Universal da Democracia, assinada dez anos antes em conferência interparlamentar, na cidade do Cairo, no Egito.
Em 1997, quando o Brasil assinou a Declaração Universal da Democracia, a Constituição do país passava pelo processo de regulamentação, nove anos após a promulgação. A Ditadura Militar, acabada em 1985, ainda era um processo recente e uma memória próxima. O fim do estado de exceção da era Vargas estava a distantes 60 anos, em 1937, e mesmo a proclamação da República tinha pouco mais de um século.
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Na 17ª edição do Dia Internacional da Democracia, comemorado neste domingo (15), especialistas ouvidos pela Agência Brasil chamaram a atenção para a necessidade de manter continuamente ativa a defesa da democracia diante dos riscos experimentados nos últimos anos. O país agora passa por um duro processo de radicalização política e polarização que teve seu auge no pleito de 2017 e esteve perto de ameaçar a continuidade do respeito às urnas, na tentativa de golpe em 08 de janeiro de 2023.
“A democracia brasileira vem sofrendo com ataques sistemáticos e a violação de sua constituição por parte de setores nada comprometidos com o estado democrático de direito. Isso ficou ainda mais evidente no último governo [de Jair Bolsonaro], e, sobretudo, com os atentados no dia 8 de janeiro de 2023. Se não fosse, justamente, o compromisso e a solidez de algumas das nossas instituições, não estaríamos falando hoje sobre a fragilidade da democracia brasileira, ou, até mesmo como aperfeiçoá-la”, destaca o diretor-executivo do Instituto Vladimir Herzog, Rogério Sottili.
Segundo ele, a democracia brasileira ainda carece de mecanismos robustos para a promoção de direitos e justiça, que impeçam a impunidade daqueles que atentaram contra o regime democrático no passado.
“Quando um país não articula seu passado de violência, agindo contra aqueles que atentaram e atentam livremente e abertamente contra o estado democrático de direito, como o Brasil não fez no passado, o que temos é uma cultura de impunidade, que favorece ataques como os que temos visto”, ressalta.
“Precisamos entender que o passado está sempre à nossa porta e enquanto não agirmos efetivamente, tornaremos a vivenciar episódios de ataques contra a nossa democracia hoje e amanhã”, acrescenta.
Justiça
A procuradora Regional da República e presidenta da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, Eugenia Gonzaga, enfatiza que o Brasil não fez sua Justiça de Transição, após o período da ditadura militar (1964-1985), e que agora paga pelo erro.
“No mundo todo, onde se estuda situações em que houve quebra da legalidade, em que se passou de ditaduras para regimes democráticos, verifica-se que se fez necessário promover a reparação das vítimas, a responsabilização dos autores, dos agentes de segurança que contribuíram para essa situação”, afirma.
A falta de responsabilização abre caminho para a repetição de novas ações contra a democracia, segundo ela. “O 8 de Janeiro de 2023 tem tudo a ver com esse processo de não revelação da verdade, de omissão, de negação daquilo que aconteceu como golpe. Tem a ver com a impunidade desses autores, com a divulgação da falsa história de que [o golpe de 1964] salvou o país do comunismo”.
“A defesa da democracia infelizmente é um processo muito delicado, muito difícil é por isso que a gente tem que ter instrumentos de combate a essas arbitrariedades e a essas tentativas de se jogar para baixo do tapete as investidas contra a democracia”, acrescenta.
A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos foi reinstalada em julho deste ano pelo presidente Lula, depois de ter sido encerrada em 2022, durante o governo Bolsonaro.
Sessenta anos após o golpe (confira especial), estudos apontam a existência de 144 pessoas desaparecidas na ditadura militar. Existem também casos de pessoas com a morte confirmada pelo Estado, mas com o corpo desaparecido. Entre elas, o estudante de geologia da Universidade de Brasília, Honestino Guimarães, possivelmente morto em 1973 por agentes da ditadura.
Desinformação
Segundo Nilmário Miranda, jornalista e ex-deputado federal, preso político nos anos 1970 e assessor especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), a construção de memórias baseadas na verdade é um dos principais pilares da democracia. Esse processo, no entanto, foi colocado em xeque em razão das fake news.
“Não há democracia com base em Fake News, apropriação e mudança da história. A Democracia só se relaciona com memória verdadeira e com a construção de memórias, por isso a sua manutenção e ações como a Comissão da Verdade vão além dos governos e se relacionam com políticas de Estado”, defende.
“Há uma importância em manter a memória viva e ainda é válido e necessário lembrar o lema da Comissão: para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça. Isso tem de estar na vida do país, tem de fazer parte da educação, para evitar algo como o golpe que quase aconteceu em 8 de janeiro”, acrescenta.
Ele lembra que na ditadura militar foram 750 parlamentares cassados, mais de 30 mil pessoas relataram algum tipo de tortura e houve 434 mortos e desaparecidos. “Isso tem de ser de conhecimento de todos. Se não, volta, se repete. A História mostra que volta. A verdadeira democracia precisa disso”.
Avanço
Adriano Diogo, geólogo e político, preso político durante a Ditadura Militar, e membro da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, considera que a democracia tem enfrentado um grande desafio na era da comunicação digital. Ele ressalva, no entanto, que o sistema democrático ainda é o mais avançado que existe.
“Estamos em um momento difícil, em que o peso da comunicação digital atrapalha o processo, mas não podemos parar de lutar, de gritar, de disputar e ganhar eleições, que é a única forma de garantir a continuidade da Democracia”.
“Ela pode ter todos os seus problemas, mas é o mais avançado e revolucionário que temos no momento, e o que garante a participação do povo, que é o centro da decisão. É a partir da vontade popular que se constrói gerações”, acrescenta.
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Em 1997, quando o Brasil assinou a Declaração Universal da Democracia, a Constituição do país passava pelo processo de regulamentação, nove anos após a promulgação. A Ditadura Militar, acabada em 1985, ainda era um processo recente e uma memória próxima. O fim do estado de exceção da era Vargas estava a distantes 60 anos, em 1937, e mesmo a proclamação da República tinha pouco mais de um século.
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“A democracia brasileira vem sofrendo com ataques sistemáticos e a violação de sua constituição por parte de setores nada comprometidos com o estado democrático de direito. Isso ficou ainda mais evidente no último governo [de Jair Bolsonaro], e, sobretudo, com os atentados no dia 8 de janeiro de 2023. Se não fosse, justamente, o compromisso e a solidez de algumas das nossas instituições, não estaríamos falando hoje sobre a fragilidade da democracia brasileira, ou, até mesmo como aperfeiçoá-la”, destaca o diretor-executivo do Instituto Vladimir Herzog, Rogério Sottili.
Segundo ele, a democracia brasileira ainda carece de mecanismos robustos para a promoção de direitos e justiça, que impeçam a impunidade daqueles que atentaram contra o regime democrático no passado.
“Quando um país não articula seu passado de violência, agindo contra aqueles que atentaram e atentam livremente e abertamente contra o estado democrático de direito, como o Brasil não fez no passado, o que temos é uma cultura de impunidade, que favorece ataques como os que temos visto”, ressalta.
“Precisamos entender que o passado está sempre à nossa porta e enquanto não agirmos efetivamente, tornaremos a vivenciar episódios de ataques contra a nossa democracia hoje e amanhã”, acrescenta.
Justiça
A procuradora Regional da República e presidenta da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, Eugenia Gonzaga, enfatiza que o Brasil não fez sua Justiça de Transição, após o período da ditadura militar (1964-1985), e que agora paga pelo erro.
“No mundo todo, onde se estuda situações em que houve quebra da legalidade, em que se passou de ditaduras para regimes democráticos, verifica-se que se fez necessário promover a reparação das vítimas, a responsabilização dos autores, dos agentes de segurança que contribuíram para essa situação”, afirma.
A falta de responsabilização abre caminho para a repetição de novas ações contra a democracia, segundo ela. “O 8 de Janeiro de 2023 tem tudo a ver com esse processo de não revelação da verdade, de omissão, de negação daquilo que aconteceu como golpe. Tem a ver com a impunidade desses autores, com a divulgação da falsa história de que [o golpe de 1964] salvou o país do comunismo”.
“A defesa da democracia infelizmente é um processo muito delicado, muito difícil é por isso que a gente tem que ter instrumentos de combate a essas arbitrariedades e a essas tentativas de se jogar para baixo do tapete as investidas contra a democracia”, acrescenta.
A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos foi reinstalada em julho deste ano pelo presidente Lula, depois de ter sido encerrada em 2022, durante o governo Bolsonaro.
Sessenta anos após o golpe (confira especial), estudos apontam a existência de 144 pessoas desaparecidas na ditadura militar. Existem também casos de pessoas com a morte confirmada pelo Estado, mas com o corpo desaparecido. Entre elas, o estudante de geologia da Universidade de Brasília, Honestino Guimarães, possivelmente morto em 1973 por agentes da ditadura.
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“Há uma importância em manter a memória viva e ainda é válido e necessário lembrar o lema da Comissão: para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça. Isso tem de estar na vida do país, tem de fazer parte da educação, para evitar algo como o golpe que quase aconteceu em 8 de janeiro”, acrescenta.
Ele lembra que na ditadura militar foram 750 parlamentares cassados, mais de 30 mil pessoas relataram algum tipo de tortura e houve 434 mortos e desaparecidos. “Isso tem de ser de conhecimento de todos. Se não, volta, se repete. A História mostra que volta. A verdadeira democracia precisa disso”.
Avanço
Adriano Diogo, geólogo e político, preso político durante a Ditadura Militar, e membro da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, considera que a democracia tem enfrentado um grande desafio na era da comunicação digital. Ele ressalva, no entanto, que o sistema democrático ainda é o mais avançado que existe.
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