O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse, nesta quarta-feira (16), que o governo quer garantir que o arcabouço fiscal tenha “vida longa”. Após reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e dirigentes da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), no Palácio do Planalto, Haddad comentou sobre o conjunto de medidas de corte de gastos que deve ser apresentado pela equipe econômica para alcançar as metas de resultado primário.
“Quando [a economia] cresce você tem espaço para que a despesa cresça um pouco menos, mas também acompanhe o desenvolvimento do país, mas num padrão e ritmo coerente com a nossa realidade atual. É essa equação que nós queremos fechar até o final do ano”, explicou, lembrando que há preocupação com a dinâmica futura do arcabouço fiscal, que é o conjunto de regras que determina a gestão das contas públicas do país, da dinâmica entre receitas e despesas.
“O arcabouço tem que ter vida longa, ele não pode ser algo como aconteceu com o teto de gastos. Todo mundo que olhava para o teto de gastos sabia que ele teria vida curta”, disse.
O ministro informou que o governo vai dialogar com os líderes parlamentares na retomada do Congresso após as eleições municipais. “O arcabouço fiscal foi desenhado a muitas mãos, com grande participação no Congresso, então temos condição de olhar para frente e fazer as partes caberem no todo dinamicamente, fazer a evolução da despesa respeitar os constrangimentos pelos quais a economia brasileira passa hoje, em função da herança recebida, do nível de endividamento e tudo mais”.
Segundo Haddad, a Febraban apontou vários caminhos para a sustentabilidade fiscal, desde o equilíbrio da Previdência e “os efeitos de ter ou não perícia sobre a concessão de benefícios”.
No encontro, a entidade bancária fez um balanço da reforma trabalhista e do diálogo que mantêm com os sindicatos para “aperfeiçoar o padrão de relacionamento com os trabalhadores, evitando a judicialização desnecessária que implica em custos que vão acabar batendo no custo de crédito”.
Juros altos
A reunião com o presidente Lula ocorreu a pedido da Febraban para que a instituição pudesse apresentar sua visão sobre a conjuntura econômica e outros temas. Além de Haddad, estavam presentes o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha; o presidente-executivo da Febraban, Isaac Sidney, e os presidentes dos maiores bancos privados do país – Itaú, Bradesco, Santander e BTG.
Durante o encontro, Lula deu aval para o debate sobre as causas que fazem com que os juros bancários sejam tão elevados no país. A pedido da Febraban, ainda em outubro, deve ser instalado um grupo de trabalho no Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (CDESS), o Conselhão, que reúne representantes de diversos segmentos da sociedade.
“Percebemos que é um firme compromisso do governo em avançar na busca efetiva do equilíbrio fiscal, para que as despesas possam, não só caber dentro do orçamento, mas para que possa se equilibrar, para que nós possamos ter uma trajetória de equilíbrio das despesas. Essa é uma agenda importante. Nós dissemos ao presidente que é fundamental dissipar os ruídos, as incertezas”, disse o presidente-executivo da Febraban, Isaac Sidney.
“O Brasil atravessa um momento de conjuntura econômica bastante positiva, bastante favorável, com a atividade econômica crescendo no patamar elevado, com surpresas de crescimento, com a inflação sobre controle. Mas nós acreditamos que esse é o momento de aproveitar essa janela que o Brasil está crescendo, com a inflação controlada, para que a gente possa, do ponto de vista estrutural, atacar alguns problemas importantes”, acrescentou o executivo.
Segundo ele, o desejo do setor bancário é ter juros da economia baixos para democratizar o acesso ao crédito no país. “Aos bancos não interessam termos taxas de juros elevadas. Quanto mais altos forem os juros bancários, maior o risco de crédito, maior a inadimplência. O que nós queremos é um ambiente de crédito sadio que possa permitir condições mais favoráveis de concessão de crédito para as famílias, para as empresas’, disse, defendendo que o Banco Central possa reiniciar, “assim que possível”, o ciclo de queda da taxa de juros no país.
A última alta dos juros havia ocorrido em agosto de 2022, quando a taxa subiu de 13,25% para 13,75% ao ano. Após passar um ano nesse nível, a taxa teve seis cortes de 0,5 ponto e um corte de 0,25 ponto, entre agosto do ano passado e maio deste ano. Nas reuniões de junho e julho, o Copom decidiu manter a taxa em 10,5% ao ano.
A próxima reunião do Copom está marcada para 5 e 6 de novembro, quando os analistas esperam um novo aumento da taxa básica. Para o mercado financeiro, a Selic deve encerrar 2024 em 11,75% ao ano.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a negar, nesta terça-feira (16), que vá tomar qualquer medida de corte de orçamento público que envolva a redução do salário mínimo para as parcelas mais pobres da população, como aquelas que recebem da Previdência Social. Em entrevista à TV Record, ele destacou que o crescimento da riqueza no país deve ser distribuído de forma equitativa para todos.
“Quando alguém fala que eu deveria desvincular o salário mínimo da Previdência Social. O mínimo, já diz, é o mínimo. Não tem nada mais baixo que o mínimo. Então, eu não posso cortar o mínimo, que já é o mais baixo de tudo. Quando você tem que dar aumento do salário mínimo, você faz a reposição inflacionária. Se a inflação foi 3%, você repõe 3%. O crescimento do PIB nos últimos dois anos, a média, a gente dá de aumento do salário mínimo. Então, se durante dois anos o PIB crescer 6%, a gente além da inflação dá 6% de aumento. O que é humanamente justo, socialmente justo.
Lula também destacou os números atuais da economia, que estão acima das expectativas dos agentes de mercado, e voltou a criticar a taxa de juros do Banco Central. “Não tem um único número que diga que o Brasil tem qualquer problema. A gente está crescendo mais do que a previsão do mercado. O mercado previa 0,8%, nós crescemos 3%. O mercado previa a inflação descontrolada, a inflação está totalmente controlada. A única coisa que não está controlada é a taxa de juros”, afirmou.
O presidente ainda exaltou a geração de empregos, o crescimento da massa salarial, e reafirmou o compromisso de isentar o Imposto de Renda quem ganha salário de até R$ 5 mil por mês.
“Geramos 2,5 milhões de empregos em um ano e sete meses. A massa salarial cresceu 11,7%. O salário mínimo é reajustado duas vezes acima da inflação. Isenção do imposto de renda para quem ganha dois salários mínimos e eu pretendo chegar a R$ 5 mil de desconto do imposto de renda. Tiramos 24 milhões de pessoas da fome. Então, nós estamos vivendo um momento sensacional”, celebrou.
Meta fiscal
Lula foi perguntado se o governo pretende modificar a meta de déficit zero nas contas públicas, em 2024, para cumprir as regras do arcabouço fiscal, ao que ele respondeu que o mais importante é que a economia cresça com sustentabilidade fiscal.
“Esse país é muito grande. Muito poderoso. O que é pequeno é a cabeça dos dirigentes, de alguns especuladores. Porque esse país não tem nenhum problema. Se o déficit é zero, se é 0,1, o que é importante é que o país esteja crescendo. O que é importante é que a economia esteja crescendo. O que é importante é que o emprego esteja crescendo. O salário está crescendo. Nós vamos fazer o que for necessário para cumprir o arcabouço fiscal. Nós vamos criar um país com estabilidade jurídica. Nós vamos criar um país com estabilidade fiscal, com estabilidade econômica, com estabilidade social. Esse país terá previsibilidade”, afirmou.
Na próxima semana, o Ministério da Fazenda deverá anunciar bloqueios no orçamento para cumprir a meta de resultado primário, segundo anunciou o titular da pasta, Fernando Haddad.
Violência política
O presidente também comentou sobre a violência política no mundo, ao repercutir, novamente, o atentado sofrido pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que é candidato ao cargo nas eleições norte-americanas deste ano. Para Lula, o mundo vive uma era onde as pessoas não se respeitam e não respeitam a força do argumento.
“É abominável qualquer tipo de violência. Não é só com o ex-presidente Donald Trump. É a morte de um prefeito em uma cidadezinha no interior. É a morte de um vereador em uma cidadezinha no interior. Então, é preciso que a gente volte a ter tolerância. O que temos hoje é a derrota do argumento, o argumento vale muito pouco. O que vale hoje é mentira, o que vale é fake news. Porque quando você está dizendo a verdade, você tem que argumentar. Quando você está contando uma mentira, não tem que argumentar. Essa a diferença que está fazendo hoje falta na sociedade brasileira. A volta do argumento para os debates políticos. Está faltando um pouco de compreensão dos problemas do mundo”.
Na mesma linha, o presidente defendeu a urgência de uma regulação sobre as grandes empresas de tecnologia, que controlam as plataformas de redes sociais.
“Não é possível que as empresas continuem ganhando dinheiro disseminando mentiras, fazendo provocação, campanha contra vacina, sem levar em conta nenhum compromisso com a verdade. Eu sou favorável a que a gente dê uma regulação, porque essas empresas não pagam nada. Ganham bilhões de publicidade. Têm muito lucro com a disseminação do ódio no mundo inteiro”, disse.